domingo, 12 de fevereiro de 2012

OCEAN'S KINGDOM - 2011

O álbum de Paul McCartney “Kingdom’s Ocean” marca sua incursão no universo do balé. Profissionalmente, isso representa para o ex-beatle uma arriscada tentativa de diversificar seu trabalho como compositor – o que é muito válido em uma época onde música popular tem se transformado, cada vez mais, em um subproduto pobre e insosso. Por outro lado, essa aventura a que Paul se lança o expõe ao egocentrismo de muitos críticos e do conservadorismo que paira no universo da música clássica/erudita. Para muitos, a "música perfeita". Muitos críticos certamente repetirão as mesmas coisas que que disseram ao depreciar o esforço de Paul desde Liverpool Oratorio, em 1991. De fato, sabemos das limitações de Paul neste campo. Ele mesmo faz questão de dizer que não possui fomação clássica e que não sabe escrever notações musicais como um maestro de carreira. Sabemos também que não é qualquer um que se torna maestro, pois essa profissão requer conhecimento teórico e prático em música para que seja possível se lançar ao desafio de compor obras clássicas. Mesmo assim, as comparações são inevitáveis obras de grandes compositores como Tchaikovsky, Mozart, Bach e Beethoven. Mas esse é um desafio que Paul insiste em superar neste seu sexto trabalho. Sim, o sexto, pois muitos fazem a conta errada. Confiram: Liverpool Oratorio (1991), A Leaf (1995), Standing Stone (1997), Working Classical (1999), Ecce Cor Meum (2006) e agora Ocean’s Kingdom (2011).
Ocean’s Kingdom é uma peça de quatro movimentos. Conta a história de dois reinos distintos: um, ambientado nas profundezas do oceano, do qual faz parte a Princesa Honorata; o outro, a árida terra, onde vive o Príncipe Stone. Um tanto modesta, a história narra, basicamente, a impossibilidade do amor entre esses dois personagens, numa alusão clara ao clássico shakespeareano Romeu e Julieta ou até mesmo ao original que influenciou Shakespeare - Tristão e Isolda. Sem a mesma representatividade poética do clássico do dramaturgo inglês, Ocean’s Kingdom se contenta em ser apenas mais uma variação do mesmo tema, só que adaptado ao balé.
O primeiro movimento, Ocean’s Kingdom (Reino do Oceano), é, de longe, o mais bem composto. Em 14 minutos, Paul mostra toda sua capacidade de escrever melodias sentimentais fortes, impactantes e de inegável beleza. Até os 3’50, a melodia parece nos conduzir ao movimento das águas profundas. Há leveza e conforto nessa primeira audição. A partir desse primeiro momento, o naipe de madeiras surge com um diálogo de flautas e depois o ressurgimento das cordas, em um crescendo que implodirá em todos os instrumentos da orquestra. É neste momento que a música ganha intensidade, força e dramaticidade até acabar em um solo de flauta e retomar o tema principal, ainda mais mais romântico. Depois vai perdendo sua intensidade até pousar em calmaria total. Seria uma metáfora do oceano? Na minha opinião, Paul consegue chegar muito próximo. Talvez não seja a melhor composição erudita em uma galeria de tantos gênios, mas essa faixa é surpreendente pela sutileza da melodia, pelo cuidado com que foi composta e pelas metáforas muito bem empregadas por Paul.
A segunda faixa, Hall of Dance (Salão de Dança), traz um ambiente mais vivo e frases que lembram temas dos filmes western, gênero tipicamente norte-americano. Não se sabe se houve intenção em citar esses temas musicais cinematográficos, mesmo assim parecem deslocados do conjunto e enfraquecem a obra. Há movimento, energia, alegria e um clima agradável em toda essa faixa, mas ela toda não me agrada. Um solo de trompete, clarinete e trombone meio malemolentes se destacam em meio à profusão de instrumentos. É o momento mais interessante. Somente por volta de 4’30 de música que o tema lírico, mais dramático, é retomado, mas sem a mesma beleza da primeira faixa. Em seguida, o clima de "aventura cinematrográfica" retorna com força para aos 7’20 haver um novo rompimento e o retorno da calma. Aos 9’00, novamente o tema amoroso com um acento de tristeza. Aos 14’35, começam batidas e uma avalanche de instrumentos de todos os naipes até se encerrar. Alguns vão odiar a comparação, mas esse último trecho lembra a Abertura-Fantasia Romeu e Julieta/3ª versão, de 1880, composta por Piotr Tchaikovsky, no momento em que o tema tempestuoso em tutti, simboliza o ódio entre os Montequio e os Capuleto.
O terceiro movimento, Imprisonment (Prisão), começa com tema triste e evolui para uma espécie de marcha fúnebre aos 3’17, onde se destacam inicalmente os trombones e as trombas. A seguir, o mesmo tema é entrecordado pelo naipe de cordas e metais, até terminar com as cordas. Em seguida, o naipe de madeiras e um solo de violoncello, pontuando ainda mais a tristeza da melodia. Queira ou não, é uma faixa de traduz de maneira competente a tristeza da solidão em um cárcere. Aos 8’00, a natureza triste da melodia cede lugar a um tema mais otimista, que talvez nos remeta à libertação, mas infelizmente parece fazer referências a clichês de trilhas sonoras. É outro ponto fraco e mais uma evidência da falta de formação erudita de Paul, pois parece clichê. Depois, com a introdução do oboé, a melodia parece “se consertar” e retomar o tema inicial, que não é ruim. Volta, portanto, a atmosfera de tristeza de solidão, encerrando assim o terceiro movimento. Dramático e bonito.
O último movimento, Moon Rise (Nascer da Lua), mantém em seu início o ambiente fúnebre da faixa anterior. Mas aos 2’00, o naipe de metais rompe esse clima, embora a tristeza permaneça ainda com as cordas bem ao fundo. Aos 3’35, a música ganha dramaticidade, movimento e energia nos remetendo a fuga, luta e enfrentamento. Aos 5’55, naipe de madeiras com flautas, oboé e clarinete dão uma acalmada nos ânimos. Retomada dos metais e posterioremente das cordas, com ênfase nos contrabaixos. Aqui a melodia tem sua parte mais bela. Aos 7’20, as cordas abrem um tema que parece ser uma dança livre, talvez uma valsa entre os dois personagens – Honorata e Stone. Pelo que se vê, a melodia encaminha-se para um clímax final triunfante e feliz, bem ao gosto romântico, numa referência à música de Tchaikovsky – a quem Paul admira, em particular. E de fato isso acontece: final triunfante e romântico.
Podemos concluir que, se por um lado Ocean’s Kingdom está longe de uma obra-prima, como muitos beatlmaníacos gostariam que fosse, por outro, representa o esforço de um grande compositor que emerge do pop da mais alta qualidade em direção a um terreno de difcíl aceitação, que é a música erudita. Se pensarmos bem, Paul preserva em seu DNA aquela inquietude tão característica dos Beatles que os fazia buscar novos parâmetros, conceitos, timbres, musicalidade… Inovação era o espírito beatle que ainda reside nesse velho rocker. Paul está certo em tentar algo tão ousado, está certo em compor algo diferente. Não se enganem: embora irregular, há muita qualidade em Ocean’s Kingdom, o que torna esse álbum tão interessante e necessário para a minha e, quem sabe, para a sua coleção.
 
Macca decidiu gravar este álbum após encontros com Peter Martins, o diretor da companhia Balé de Nova York. Sua inspiração veio através de espetáculos de balé que ele assistiu na Royal Opera House em Londres, conversas com os dançarinos e artistas dos espetáculos e “dois meses inteiros olhando o mar. Tentei escrever algo que expressasse uma emoção – eu tinha medo, amor, raiva e tristeza para poder brincar e achei isso excitante e desafiador! afirmou disse para a BBC de Londres. Na trama do espetáculo, temos uma história de amor que acontece entre dois reinos: o Reino do Oceano (Ocean’s Kingdom), onde habitam pessoas puras e honestas, e o Reino da Terra (Earth’s Kingdom), onde ficam os personagens maus.
Curiosamente, a gravadora que lançou o álbum foi Decca, que recusou um contrato com os Beatles em 1962, afirmando que “bandas com guitarras estavam com os dias contados”.
Stella McCartney conseguiu guardar em segredo um projeto no qual passou um ano inteiro trabalhando. A estilista é a responsável pelo figurino de Ocean’s Kingdom da companhia New York City Ballet. Stella McCartney criou peças que lembram algumas de suas coleções – como a de Verão 2012. São roupas sofisticadas e românticas e em cores de água (azul, verde); há, também, algumas peças com padrões geométricos e padronagens que se assemelham a tatuagens.
Paul , também ajudou o coreógrafo na criação de alguns movimentos.
O espetáculo estreou em Nova York nos dias 25, 27 e 29 de setembro de 2011. Depois, foi novamente apresentado, lá mesmo, em janeiro de 2012. O álbum foi lançado dia 3 de outubro do anos pasado. Eu comprei o meu há uma semana e custou R$ 69,90. Bem caro, é verdade. Mas vale muito à pena!

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